terça-feira, dezembro 6

Droga consegue acordar pacientes de coma depois de anos

O primeiro relatório de um despertar de coma por causa de um novo medicamento chamado zolpidem veio da África do Sul, em 1999. Um paciente chamado Louis Viljoen, que, três anos antes, foi declarado vegetativo depois de ter sido atropelado por um caminhão, e, ainda em coma, começou a agarrar as pontas do colchão durante uma noite. Pensando que ele estava sofrendo de insônia, o médico da família sugeriu zolpidem para ajudá-lo dormir. Mas, 20 minutos depois de sua mãe ter dado a ele o comprimido e de tê-lo alimentado através de um canudo, Viljoen começou a se mexer. Seus olhos, que normalmente vagavam pelo quarto, sem foco, piscaram com a luz da consciência. E, então, ele começou a falar (suas primeiras palavras foram "Olá, mamãe"), e mover-se (ele mostrou que podia controlar seus membros e músculos faciais). Algumas horas mais tarde, ele voltou a ficar indiferente ao universo ao seu redor. Mas, no dia seguinte, e por muitos dias depois disso, o zolpidem voltou a reanimá-lo, algumas horas de cada vez.

Foi um caso digno de Hollywood: três anos foi bem além do ponto no qual os médicos esperariam qualquer tipo de recuperação espontânea do paciente. Viljoen acordou com a habilidade de falar em sentenças completas. Não só ele reconhecer sua mãe, mas ele também reconheceu as vozes de pessoas que tinham falado com ele só quando estava aparentemente vegetativo. Ele não se lembrava de coisa alguma do que havia passado. Quando os médicos lhe perguntaram o que ele sentiu, Viljoen disse que não sentia mudanças. Mas ele se lembrava de conversas do despertar do dia anterior, junto com pedaços de sua vida anterior: seu time favorito de rugby, encontros específicos de que ele participou, os jogadores que eram a favor e contra. Como o tempo, sua cognição melhorou. Ele podia rir de piadas, e seu despertar estendia-se desde algumas horas até dias inteiros. E, depois de um tempo, ele não precisava mais de zolpidem.

Nos anos que se seguiram, um constante fluxo de relatórios semelhantes surgiram _ alguns dos médicos que tentaram zolpidem depois de ouvir sobre o caso Viljoen, outros de quem descobriu acidentalmente os seus benefícios, como médico Viljoen tinha. A droga não funciona para todos, e até mesmo quando o fez, os seus efeitos normalmente duravam apenas uma ou duas horas. Mas, para alguns poucos felizardos, esses efeitos foram profundos. Pessoas que pareciam em estado vegetativo durante anos foram acordando.

Há cerca de 200 mil pacientes nos Estados Unidos presos na fronteira entre a consciência e o esquecimento. Até recentemente, a maioria dos médicos acreditava que a recuperação desta condição vegetativa não era possível. Estados vegetativos foram considerados permanentes após três meses, se o ferimento tiver sido causado pela privação de oxigênio, ou após um ano, se ele tiver sido causado por trauma ou contusão. E já que os pacientes minimamente conscientes não se saíram muito melhor do que aqueles que estavam em estado vegetativo, a maioria dos médicos não se preocupou em prestar atenção para a distinção.

Mas, na última década, uma série de desenvolvimentos fundiram-se em um quadro muito mais complicado do que anteriormente imaginado. Em 2003, um homem chamado Terry Wallis, do Arkansas, emergiu, depois de 19 anos, a partir de um estado de consciência mínima. Exame de neuroimagem sugere que seu cérebro havia essencialmente sido reconfigurado _ neurônios sobreviventes haviam contornado as áreas cerebrais traumatizadas e mortas, forjando conexões entre si. Em um artigo da revista "Nature", Nicholas Schiff, neurologista, da Weill Cornell Medical College, trabalhou com uma equipe para mostrar que a estimulação cerebral profunda _ a implantação cirurgicamente de "marcapasso cerebral", que envia impulsos elétricos para regiões específicas do cérebro _ pode ajudar alguns pacientes gravemente feridos a recuperar a capacidade de falar e comer, anos após a lesão. E neste mês, Adrian Owen, neurocientista britânico, em artigo publicado na revista "The Lancet" mostrou que os cérebros de alguns pacientes que pareciam vegetativos responderam a comandos básicos: seus corpos não se moveram, mas distintos padrões de disparo neuronal foram detectados nos exames cerebrais, quando estes pacientes foram orientados a cerrar o punho (o que desencadeia reação de uma região do córtex pré-motor) ou a mexer os dedos dos pés (o que provoca outro circuito específico).

Este ano, os cientistas do Moss Rehabilitation Research Institute e da Universidade da Pensilvânia, ambos na região da Filadélfia, nos EUA, iniciaram o primeiro estudo clínico em grande escala sobre os efeitos do zolpidem como tratamento para distúrbios de consciência. Amantadina, uma droga usada para tratar a doença de Parkinson, e Ativan, medicamento contra ansiedade, também mostraram-se como promessas para aumentar a consciência em pacientes minimamente conscientes. Até agora, as evidências sugerem que menos de 10% dos pacientes com lesões cerebrais experimentaram o efeito paradoxal de drogas, e que, entre aqueles, poucos responderam tão profundamente quanto Viljoen fez. Para os médicos, estes casos trazem perguntas. Por que um comprimido para dormir induz a consciência em alguns pacientes, mas não outros?

Da Agência O Globo 

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