segunda-feira, abril 18

Pesquisadores acham que estresse causado por bullying altera a química cerebral


Que o bullying provoca mudanças de comportamento em crianças e adolescentes, tornando-os mais retraídos, ansiosos e socialmente isolados, entre outros sintomas, já se sabia. Agora, um novo estudo acha pistas importantes de como essa forma de violência causa danos no cérebro. Uma equipe da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos, analisou o comportamento e a anatomia de camundongos submetidos a uma situação de estresse social crônico, semelhante à pressão sofrida por alunos perseguidos sistematicamente e durante um longo período por colegas. A descoberta foi que o abuso modifica a química cerebral, principalmente em regiões fundamentais para o processamento das emoções.
Principal autor do estudo, publicado recentemente na revista especializada Psychology and behavior, Yoav Litvin explica que as conclusões podem lançar luz sobre os efeitos do bullying e de outras formas de estresse social nas pessoas. Isso porque as regiões cerebrais, nas quais os cientistas focaram estão presentes em todos os mamíferos, dos pequenos roedores aos homens.
Para realizar o experimento, a equipe de Litvin criou em laboratório uma espécie de jardim de infância, para o qual nenhum camundongo gostaria de ser mandado. Presa em uma gaiola de vidro, a cobaia era obrigada a conviver por 10 dias com animais mais velhos e maiores que ela – um rato diferente por dia. Como são territorialistas, assim que se viam dividindo o mesmo espaço os camundongos tendiam a se enfrentar, e a cobaia, em desvantagem, perdia a disputa invariavelmente.
Os pesquisadores permitiam que as brigas diárias durassem apenas 10 minutos. Depois desse tempo eles isolavam o camundongo maior em um cubículo de vidro, ainda dentro da gaiola. Dessa forma, o animal menor ainda podia ver, ouvir e sentir o cheiro do agressor, situação estressante para ele. Depois de viver sob esse tipo de pressão por 10 dias, a cobaia ganhava um dia de descanso e era levada então a uma outra jaula, onde passava a conviver com animais do mesmo tamanho ao seu.
Todos os animais que haviam passado pelo trauma do bullying apresentavam mudanças de comportamento nessa fase do experimento. “Descobrimos que, depois de passar dias sentindo-se derrotados e subjugados por outros animais, os camundongos ficaram relutantes em se aproximar de outros animais de sua espécie”, descreve Litvin em entrevista ao Estado de Minas, por e-mail.
Hormônio Identificada a mudança comportamental, os pesquisadores partiram para uma análise do cérebro dos camundongos traumatizados. Primeiro, eles notaram que uma droga que inibia a ação de um hormônio chamado vasopressina era capaz de reduzir a ansiedade das cobaias. Depois, a equipe examinou os cérebros dos animais e notou que eles estavam mais sensíveis à ação do hormônio, que no ser humano está associado à agressão, ao estresse e a distúrbios de ansiedade. O aumento dos receptores de vasopressina foi notado especialmente na amígdala, área que pode ser descrita como o centro emocional do cérebro.
Para Litvin, essas mudanças no sistema cerebral podem ser a base da alteração comportamental surgida a partir de situações de estresse social crônico. “Os roedores estressados apresentaram mudanças na ativação de neurônios que estão relacionados com o controle da ansiedade e com a socialização. Essas mudanças podem ser a base de alguns dos efeitos comportamentais que surgem em situações como o bullying”, afirma.
O especialista acredita que o estudo pode ajudar a compreender melhor os efeitos de traumas surgidos pelo convívio social e levar ao desenvolvimento de tratamentos ou maneiras de prevenir as consequências do estresse crônico em humanos. Ele ressalta, no entanto, que outros estudos precisam ser feitos antes de se afirmar que os danos observados nos cérebros dos camundongos se repetem nas pessoas. Também não se sabe se essas alterações – mesmo nos ratos – são permanentes ou se o cérebro volta ao normal depois de um período longo distante da fonte de estresse. “É importante lembrar que os cérebros de camundongos e humanos são muito diferentes”, frisa.
Mas os indícios apontados pela pesquisa norte-americana não surpreendem a médica psiquiatra e especialista em bullying Ana Beatriz Barbosa Silva. “Qualquer estresse leva a mudanças de comportamento e promovem a liberação de uma série de substâncias químicas”, diz a autora do livro Bullying: mentes perigosas nas escolas (Objetiva). No caso do bullying, ela ressalta que a situação tende a ser mais grave porque o estresse pode se prolongar, tornando-se crônico. “Como a criança normalmente não conta a ninguém o que está sofrendo, a situação pode seguir por um ou dois anos. A amígdala cerebral fica mesmo hiperfuncionante e passa a sinalizar perigos que às vezes não existem”, completa.
Estado de Minas

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